domingo, 3 de fevereiro de 2013

Vídeo Momentum: A Catarse de Terrence Malick

Ouso dizer que não há filme mais significativo para mim do que A Árvore da Vida (2011), o curioso é pensar que deste filme não se tiram lições ou epifanias, não há moral nem glória para seus personagens, é apenas o que é e ainda assim, guarda em seu cerne as sensações, todas em uma, primitiva e complexa, sem consciência de si e incessante em pensamentos. Sempre que sento frente ao teclado para escrever algo sobre este filme, eu paro; não posso, não me atrevo a dar nomes ou conferir significados a estas sensações absurdas, então, talvez eu não deva o fazer. Permitindo que seja o que é, sem modificar seu propósito inicial.

Este é um filme que me assombra, pois eu vejo ali, de forma límpida e intocável, versões de minha mãe, versões de minha infância, versões distintas de todas e cada uma das coisas que nos conectam e que nos separam e que nos tornam diferentes e que nos fascinam, que nos fazem santos e exageradamente humanos; indo mais além de diálogos que questionam um Deus que não nos responde ou entendimentos sobre nossa existência, eu vejo sim, uma carta de amor de um filho a uma mãe e eles poderiam ser qualquer um, mas eu me atrelo a percepções e a catarse de que ali estaríamos nós, eu e ela, outra vez. 

Eu em seu colo feito criança abandonada em multidões, ouvindo com apego sua voz distante embalando-me em verdade, conforto e afeição. Obrigada, Terrence Malick, pois a cada vez que assisto vossa obra, eu alterno, transcendo, sinto-a um pouco mais próxima.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Notas pessoais: #1

Eu gostaria de pensar em como bater nas teclas e arrancar-lhe as tripas e transformar seus restos em um legado bastardo; gostaria de pensar freneticamente, muito mais do que neste momento, imersa em ansiedade ritmada em pornografia poética, algo que fizesse sentido apenas para meus ouvidos, feito orquestras e tempestades, feito um monólogo e uma despedida. É a idéia que ainda não evanesceu, que não me largou; é a idéia que não desistiu de mim, mesmo eu tendo dito: vá embora, oh, meu amor, leve com você essa periculosidade que é existir por verbalização, seja minha própria ou de um outro qualquer.

domingo, 22 de julho de 2012

carta aos pais


O câncer roubou meus pais. Algumas palavras escritas em uma página ou duas tornaram-se, de fato, a sentença de morte na qual eu relutei a pensar após enterrar seus corpos. Hoje, eu não sei se fiz as coisas de forma inversa; talvez sim. Ali, em caixões escuros, ladeados de flores e homenagens de estranhos, estavam um amontoado de células anormais que modificaram muito mais que um cérebro ou um seio, elas marcaram os dias e suas horas em meu corpo, dias e horas de sofrimento e término e funerais e finalmente, um adeus. 

Eu sinto falta e apenas a sinto. Sinto a ausência de cada detalhe inerente a sua existência. É um cheiro que permanece nas roupas, é uma voz que já não escuto, um telefone que não toca e a sensação de segurança que me escapa entre crises e outras crises de ansiedade. Minha memória começa então a falhar e eu não posso mais dizer que me recordo claramente de cada minuciosidade, de cada fração, de cada som. Estaria eu me desviando do propósito antropológico de carregar a vida de meus pais para além de minha própria? De meus herdeiros? De meus sucessores? Estaria eu me esquecendo deles?

Em terapia, eu disse, "sou Alice, a Alice de Lewis Carroll, a Alice que está perdida, a Alice que sempre teve alguém para lhe dizer aonde ir e o que fazer e que agora que não tem mais isso, não sabe bem que caminho tomar, eu sou aquela Alice e eu não sei mais quem sou..." e continuei, "sou também o Chestburster, sou o alien preso no corpo hospedeiro, à espera de alguma coisa que me faça sentir, à espera... de algo que simplesmente vá abrir minha mente da mesma maneira que o alien abrirá minha caixa torácica e pronto, estarei livre. Eu sou Alice, mas também sou o Alien e não sei bem o que fazer para sair desse ponto." 

Continuo com uma noção de que nunca realmente saberei como sair deste meu paradigma, sinto-me estúpida e infeliz, sem propósitos ou idéias que acalmem meu espírito. Fui liquefeita em lágrimas, pílulas, notas e paragráfos acerca a morte e a vida e o que eu entendo disto. Algo aperta meus pulmões, algo mancha minhas paredes, algo, sempre algo, está disposto a me destruir em questionamentos.

Meus pais, vocês me quebraram, vocês me mataram com um divórcio, uma falência múltipla de orgãos, uma parada cardiorespiratória. Eu perco partes de mim a cada nova versão de morte que minha mente dispara aos gritos em minha direção. Estamos em fragmentos e em cada um, eu lhes pergunto: De que lhe adiantou lutar, mãe? De que lhe adiantou a rendição, pai? Estamos fadados a ruína de nossas vidas, fomos marcados por uma doença estranha, sádica, desgraçada, imoral. Oh, aqueles últimos dias, o quanto eu aprendi sobre a vida naqueles últimos dias. Quantos abraços vazios e palavras vazias e vidas vazias e amargas e patéticas, quantos, quantos eu recebi?

Nietzsche ou Proust ou alguém que não me importa agora, disse que a vida se encarregaria de transformar meu sofrimento e desespero em crescimento mental; bem, eu espero que isso ocorra, realmente espero. Como numa espécie de compensação bizarra do universo. Você me tirou algo importante, então me dê algo importante em troca, seu maldito, algo que eu eu possa carregar comigo. Compreendo agora que se a morte é esquisita e aterrorizante, então, a vida é ainda mais. A vida é praticamente desastrosa e iluminada, uma ambiguidade ilusória que não posso definir. Tenho medo de continuar, tenho medo de estar viva, tenho medo de desenvolver um câncer que um dia também irá me matar, tenho pavor de me tornar uma suicida, unicamente pelo fato de que não aguento estar aqui com estas amarras criadas por mim e meus fantasmas.  

Minha mente nunca funcionou de uma maneira convencional e vocês sabiam disto; eu nunca tive amigos verdadeiros nem relações duradouras, pois eu não consigo as manter e vocês sabiam! Passei boa parte da minha vida fazendo terapia, se isso veio da minha infância, não sei; se veio da minha adolescência, não sei. Se a responsável por isto sou eu, não sei; se os responsáveis foram vocês, não sei. Não sei o que sou, não sei o que faço, algo me modificou, a morte mudou minha estrutura e eu estou caindo, uma tragédia em queda livre, desta vez, com a certeza de que não existe nada que me salve.

Ainda sou uma menina, aquela garotinha trancada em um banheiro chorando por uma traição e que precisa desesperadamente do amor dos pais. Sou a desgraça de uma heremita que precisa agora estar sozinha; sou uma erudita que precisa pensar sem hesitação, eu sou quem não quero ser, pois me dói ser assim. Estou presa numa noção de que não posso me tornar outra pessoa devido ao argumento de que preciso trilhar por essa estrada para alcançar algo em que não acredito mais. Minha terapeuta diz que isso é normal, diz que não sou um alien, diz que acredita em mim, talvez ela seja a única.

Vocês foram ótimos pais e eu percebo isso agora. Não importa quantos erros cometeram ao longo da vida, foram apenas erros, não posso de forma alguma tentar julgar suas decisões, acima de tudo porque o maior erro ainda está em mim. Eram realmente ótimos pais, eu é que não sou a filha ideal. Sou o protótipo que deu defeito. Eu frustei deliberadamente cada sonho ou aspiração que tinham em relação a mim. Eu me sentia pressionada a seguir um caminho, optei pela imposição, pela ideologia de um juventude que não me pertence; ironicamente, agora que o caminho traçado não está mais sendo empurrado garganta abaixo, eu me perdi dentro da minha própria idéia de "eu".

Ainda tinha 20 anos quando os perdi e de certa, assim o terei para sempre. Nunca mais sairei daquela sala de hospital, nunca mais sairei daqueles cemitérios, nunca mais deixarei aqueles últimos dias. O que foi enterrado ali, é um pedaço meu, uma parte minha que não voltará, que não nascerá, que não sobreviverá. Talvez estejamos todos mortos e condenados a esta ilusão de estarmos vivos, o quão poético isto seria.

O tempo parece-me estagnado e furtivo. Ambivalente. Estou atrelada em um relógio que corre as horas, mas não sinto o efeito do tempo. Apenas tento me manter na superfície, zona limite de uma insanidade. Sem muita inspiração para qualquer coisa que seja, sem muita disposição para o cotidiano, sem tendências ou rotina; apenas escrevo e respiro e penso e imagino, escolhendo inalar o meu próprio veneno. E sonho, diabos, eu sonho por longos períodos como se isso fosse me salvar de um paradoxo em meu próprio destino. Escrevo para não sofrer mais, escrevo para continuar viva, dia atrás de dia, cada hora por vez, porque não quero morrer, não ainda, porque preciso provar alguma coisa nem que seja para mim mesma, porque sou Alice, aquela Alice que precisa acordar do sonho, porque sou o Alien, em estado vegetativo, que está à espera de alguma coisa que me liberte, porque sou quem sou, mesmo sem saber ainda.


quinta-feira, 12 de julho de 2012

Vídeo Momentum: Salve Édith!

Hoje, em plena semana de Comic-Con, quando acompanho os livestreams até começar a gritar com minha conexão, hoje, justo hoje, acordei cantando Édith Piaf (e ainda não parei!). Então resolvi postar o que penso ser um dos melhores encerramentos de um biográfico no cinema, além de um pequeno vislumbre de uma das melhores atuações num filme desse nicho, Marion Cotillard estabeleceu um novo padrão para os atores, o da transformação na persona que transcendeu seu próprio significado.




quarta-feira, 11 de julho de 2012

6 Graus de Literatura: Na Natureza Selvagem & Fernando Pessoa


Sim, quem diria que em palavras, Fernando manifestaria o mesmo grito uma vez levantado por Christopher J. McCandless; relaciono ao filme cujo cerne se tornou uma experiência cinematográfica a qual jamais esquecerei, relaciono ao espírito de Alexander Supertramp, relaciono a mentalidade thorealista de Christopher. Na Natureza Selvagem (2007) é uma belíssima orquestra de vida, uma ode grandiosa ao eu liberto, ao eu desapegado da carne, ao eu primitivo, ao eu, ao eu.


"[...]

Não sei se a vida é pouco ou demais para mim.
Não sei se sinto de mais ou de menos, não sei
Se me falta escrúpulo espiritual, ponto de apoio na inteligência,

Consanguinidade com o mistério das coisas, choque
Aos contatos, sangue sob golpes, estremação aos ruídos,
Ou se há outra significação para isto mais cômoda e feliz.

Seja o que for, era melhor não ter nascido,
Porque, de tão interessante que é a todos os momentos,
A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger,
A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair

Para fora de todas as casas, de todas as lógicas e de todas as sacadas,
E ir ser selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos,

Entre tombos, e perigos e ausência de amanhãs,
E tudo isto devia ser qualquer outra coisa mais parecida com o que eu penso,
Com o que eu penso ou sinto, que eu nem sei qual é, ó vida."

'Passagem das Horas' de Fernando Pessoa, Antologia Poética, Nova Fronteira, 2011.


6 Graus de Literatura: Terra Estrangeira & Fernando Pessoa


E lá estava eu, outra vez, criando conexões entre meus filmes e meus livros quando me deparo com tal fragmento; a catarse se encarregou de me trazer a mente a sequência de abertura de Terra Estrangeira (1996):


"[...]

Na minha imaginação ele está perto e é visível
Em toda a extensão das linhas das suas vigias,
E treme em mim tudo, toda a carne e toda a pele,
Por causa daquela criatura que nunca chega em nenhum barco
E eu vim esperar hoje ao cais, por um mandado oblíquo.

Os navios que entram a barra,
Os navios que saem dos portos,
Os navios que passam ao longe
(Suponho-me vendo-os duma praia deserta) -
Todos estes navios abstratos quase na sua ida,
Todos estes navios assim comovem-me como se fossem outra coisa
E não apenas navios, indo e vindo.

[...]

Os navios vistos de perto são outra coisa e a mesma coisa,
Dão a mesma saudade e a mesma ânsia doutra maneira.

[...]

O Mediterrâneo, doce, sem mistério nenhum, clássico, um mar para bater
De encontro as esplanadas olhadas de jardins próximos por estátuas brancas!
Todos os mares, todos os estreitos, todas as baías, todos os golfos,
Queria apertá-los ao peito, senti-los bem e morrer."

'Ode Marítima' de Fernando Pessoa, Antologia Poética, Nova Fronteira, 2011. 

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Walter Salles e o Universo... Na estrada.


Santo Salles! Santo Kerouac! Santa a conversão da literatura beat ao cinema! Fazendo uma piada aqui e ali, eu me apresento uma roader de espírito em algumas conversas, pois não penso que exista algo mais bonito do que o vislumbre da estrada e suas analogias em um filme executado de forma competente. Trágico, eu sei. Loucura, eu sei. Porém, este Brasil pode se gabar de ter entre seus filhos mais ilustres, Walter Salles - uma das maiores autoridades quando o assunto é filmar as estradas convencionais ou aquelas mais oníricas e tecer os diversos paralelos de um mundo presente em asfalto, terra batida e horizontes intermináveis.

E eu já perdi as contas quando o assunto é Jack Kerouac. Aliás, é muito mais fácil para mim dizer qual livro dele ainda não percorri. Em verdade, a obra dos autores beats não é leitura para qualquer um: qualquer um pode comprar os livros e se dispor a ler, mas a grande maioria não entenderá muito bem o que eles queriam passar através da palavra, para alguns, foram apenas isso, palavras aleatórias, dispersas e espancadas numa máquina de datilografia. O que diabos eles realmente queriam dizer? Honestamente, eu nem tento imaginar; a escrita é infinitamente mais pessoal que a leitura, justamente por nossos pensamentos serem incontroláveis quanto aos inúmeros significados que atribuímos a uma simples palavra.

Estrada que segue para além de um caminho ou direção, uma linha sinuosa num mapa rasgado ou uma forma de se chegar a outro lugar, um traçado, uma meta, existência livre. É a alusão a própria vida, afinal, como bradava Kerouac, estrada é vida! Estamos presos a identidades conferidas a nós antes mesmo de termos noção de quem somos, quem devemos ser, quem desejamos ser; o argumento notoriamente beat acerca a liberdade neste universo é belo, pois não deveríamos determinar nada e sim, simplesmente se permitir ser, apenas estarmos lá, jogados nas geleiras brancas, respirando a nicotina e a poesia das circunstâncias.

Kerouac não é um autor interessante quando se é lido em português, mas diabos, é insano e bebop e non-stop em inglês; é poético e poderoso e sim, é extremamente estranho pensar em sua adaptação, mas Waltinho é o cara certo para o trabalho.  Aliás, é irônico pensar que um autor no qual prefiro ler em seu idioma original, será concebido por um diretor de natureza brasileira, pelo menos para mim. Estou no aguardo do meu ingresso para o dia 13/07 e acredite, eu irei sozinha para uma primeira sessão. E para uma segunda sessão. Na terceira, talvez eu leve alguém comigo. Quero mastigar tudo o que irei receber de sensações, sem influência, sem conversa, sem o chiado da pipoca, sem o amigo falando sobre relacionamentos prévios que afundaram ou posições sexuais, para o inferno com as mensagens e os celulares!

E Walter, eu espero, nos levará rumo a sua visão, tal qual em Terra Estrangeira, Central do Brasil e Diários de Motocicleta; seremos guiados pelo visionário, pela fotografia de um mundo partido, pela inquietação de seus rostos, pelos nomes que esqueceremos após uns dias, mas cujas características estão presas a nossa própria condição humana. É o mundo na estrada, é o homem, o escritor, o devasso, os que desejam algo ou o nada. Asfixiados pelo som de toda a uma sociedade, de uma cultura, de um ir contra todos para depois arrastar os demais. Alucinados pela santa benzedrina e pelo fervor do sexo despido de nomes.

Que mundo era aquele o seu, Kerouac? Era o adeus na imensidão, era a alucinação das drogas, era o sexo e apenas isso, eram as divagações na ponta do lápis e a estrada, a santa estrada, cruzando nossas próprias versões distintas e distorcidas das Américas. Sou apenas outra passageira que está segurando-se firmemente a esperança de um resquício de direção e após 50 e poucos anos, Walter e Kerouac finalmente nos levam no bolso, no papel, na câmera... na estrada.